D.E., 31, an administrator in Rio de Janeiro, Brazil

Dia 27 de fevereiro. Acordo por volta de 6h30, com minha esposa, grávida de quase 40 semanas, falando que perdeu líquido. Me levanto depressa, tentando entender se a bolsa estourou, se era alguma outra coisa. Horas depois, vamos à obstetra, para uma consulta excepcional. Ela a examina, por volta de meio dia, e ao fim pergunta “prontos para irmos à maternidade?”. “Minha filha vai nascer”.

Damos entrada no hospital. Papelada pronta, somos direcionados ao quarto, para aguardar a equipe médica preparar a cesárea. Durante uma hora e meia, somos preparados para a chegada de nossa primeira filha, a primeira neta da família paterna e a caçula de quatro netos na família materna. Parece durar uma eternidade.

Na sala de cirurgia, fico ao lado da minha esposa que, anestesiada, apenas observa minhas reações enquanto vejo nossa pequena vir ao mundo. Ela nasce linda, saudável, com ótimo peso e tamanho. Pais e tios a veem cerca de vinte minutos após o nascimento e, mais uma hora dali, já estávamos no quarto, prontos para receber visitas.

Ao longo das 7 horas seguintes ao parto, recebemos amigos, primos, colegas de trabalho, até que o dia chegasse ao fim. “Ufa, foi um dia longo. Hora de comer algo, tomar um banho e preparar para dormir”. Acontece que na primeira noite de vida do seu filho, não dá para dormir. “Será que ela tá respirando?”, “Será que está com fome?”; a cada hora, uma enfermeira entra no quarto para ver a criança ou para checar se está tudo bem no pós operatório da mãe.

Exausto, fecho os olhos por um minuto e logo caio num sono profundo. Acordo certo de que já é manhã e, ao olhar o celular, não passaram 15 minutos. Parece durar uma eternidade. Tão logo amanhece e o telefone do quarto toca. A recepcionista diz que temos visitas. As primeiras das quase 40 que recebemos naquela sexta-feira. O dia chega ao fim e as mesmas perguntas e sentimentos da noite anterior se repetem. É, definitivamente, uma eternidade.

Mas chega sábado e logo recebemos alta. Vamos voltar pra casa e, enfim, descansar um pouco enquanto nossa filha dormir, sem ter dezenas de visitas.

As duas primeiras semanas de vida são tranquilas. Eu e minha esposa estamos de licença e, portanto, 100% disponíveis para as necessidades dela. Noites calmas, bem dormidas. Os amigos e parentes, em rotina normal, tem menos tempo para visitar, o que torna esses momentos mais especiais.

No dia 11 de março, recebo uma mensagem de um bom amigo, querendo visita-la. “É tranquilo ir aí? Como vocês tão fazendo com o ‘corona’?”, ele me pergunta. Digo que está tudo bem e convido-o para vir a tarde, quando poderemos assistir ao jogo entre Liverpool e Atlético de Madrid, pela UEFA Champions League.

O jogo termina, ele se despede e, em seguida, coloco no noticiário. Há uma clara evolução do Covid-19 no Brasil, especialistas indicam que as próximas semanas serão caóticas e começam os primeiros relatos de isolamento social e quarentena. Ligo para a pediatra, para entender quais as recomendações, já que, dentro de 48 horas, meu irmão – que mora nos EUA – virá para conhecer a sobrinha recém nascida. Ela indica ficar ao menos duas semanas sem contato com qualquer pessoa que venha do exterior – o que inviabilizaria qualquer encontro entre eles. No último dia de viagem, quebramos o protocolo e nos encontramos, sem qualquer contato, apenas para que ele possa conhecê-la. Depois de mais de vinte horas de voo e 10 dias de espera, conseguimos duas horas de encontro e um par de fotos.

Esse encontro é especialmente marcante por ter sido a última visita que recebemos desde o nascimento da nossa pequena. Desde o dia 13 de março, estamos em quarentena; desde o dia 21, não encontramos com ninguém: nem avós, nem tios, amigos, colegas de trabalho ou outros parentes. Nesse pouco mais de um mês em quarentena, nossa rotina tem sido uma dura eternidade: esperar o tempo passar, enquanto avós, tios, amigos, colegas de trabalho ou parentes perdem os primeiros passos do novo membro da família. O primeiro sorriso, o primeiro banho, as novas interações, a mudança de tamanho de fralda, de roupas…

Nessa nova realidade, fazemos vídeo chamadas para que os familiares mais próximos possam acompanhar um pouco dessas transformações, capturar parte desses momentos. A pandemia nos forçou a encarar a vida e as relações que temos de uma forma totalmente diferente. O tempo passa em um ritmo novo, a falta de perspectiva nos deixa sem saber quando as coisas voltarão ao normal e os políticos no Brasil não colaboram para um cenário otimista.

É pouco provável que esse distanciamento deixe sequelas na nossa pequena. Ela ainda não compreende quão doloroso é para aqueles que a amam ficar distante. Talvez, um dia, ela veja esse relato e entenda como foi difícil viver esses dias que duraram uma eternidade.

[submitted on 4/30/2020]

Life in Quarantine: Witnessing Global Pandemic is an initiative sponsored by the Poetic Media Lab and the Center for Spatial and Textual Analysis at Stanford University.

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