J.W.T., 44, a professor in Teresina, Brazil

Estou vivendo esta pandemia dividido entre o sentimento de excitação e pânico. Excitação pela consciência de quem estou imerso em um momento histórico, que me proporciona especulações, que me lança a reflexões e leituras, que me permite observar o comportamento humano em uma situação-limite. Pânico, no plano coletivo, pela morte de pessoas, pela crise econômica mundial; no plano individual, pela preocupação com meus próximos, especialmente meu pai e meus dois filhos. Meu pai por ser um senhor de mais de 60 anos que, pelo histórico de vida e pela profissão de comerciante, não consegue ficar parado; na região em que ele mora, na zona sudeste de Teresina, li semana passada que havia 160 casos da Covid-19. Como ele sai todos os dias e todas as horas (não importa se tenha algo para fazer, ele simplesmente não consegue ficar parado em casa), o risco de adquirir e transmitir a doença é enorme. A família liga diariamente para ele, filhos e netos, mas ele diz sempre a mesma coisa: que está bem e se cuida com muito rigor. Devido a este comportamento dele, nós filhos (somos 4) decidimos retirar nossa mãe da casa e levá-la para nossas casas num sistema de rodízio – ela vivendo uma semana ou mais em cada casa de filho. Quando aos meus filhos, um casal de adolescentes, sendo que um vive comigo e outro com minha primeira esposa, o meu medo é desestímulo, obesidade (em um deles) e depressão.

Por temperamento e por profissão, nunca vi a solidão e o confinamento como um entrave ou uma punição. Amo ler, ouvir música, pesquisar, escrever, pensar. Mesmo em tempos normais, preciso de umas 3 horas por dia a sós para manter meu equilíbrio interno. Levo a sério duas máximas que li na juventude, uma de Sêneca e outra de Nietzsche. Sêneca me ensinou que a saúde mental e o equilíbrio interior dependem de uma boa dosagem entre vida retirada e vida social; é sábia a variação, uma equilibra e corrige a outra. Nietzsche observa que escravo é todo aquele que não tem direito a um terço do seu dia para fazer o que gosta, se retirando do burburinho da vida cotidiano. Cada um a seu modo, os dois pensadores predicam um equilíbrio que, obviamente, foi rompido. Porém, tal ruptura por enquanto não me afetou, porque a vida retirada para mim é aventura: permite-me a distância necessária para pensar, e pensar é uma forma de prazer. Às vezes me indago quão esquisito ou até egoísta eu sou, quando vejo pessoas inquietas, desesperadas, mal-humoradas com esta quarentena, enquanto, do ponto de vista estritamente individual, estou saudavelmente bem. Sinto falta das aulas e dos alunos, das caminhadas e idas ao cinema com minha esposa, do futebol (na TV e no campo com os amigos) e dos pubs e botecos – mas nem de longe esta falta está me desequilibrando. O pânico vem quando, em minhas especulações, vislumbro que práticas como ir ao cinema e jogar uma pelada com os amigos podem estar ameaçadas por muitíssimo tempo, mesmo após o fim da quarentena. Porém, não deixo tais especulações me abaterem. Prefiro esperar.

Meu isolamento e da minha família tem sido rigoroso. Só saímos, de raro em raro, para fazer compras. Nestas horas, sinto-me como se estivesse numa narrativa de ficção especulativa. Lembro de filmes como Os Pássaros, Ensaio sobre a Cegueira, 4: 44 – Último Dia na Terra, Fim dos Tempos e Eu Sou a Lenda, bem como de narrativas como as de Camus e Orwell. Tento refrear estes pensamentos fantasiosos e esteticistas da realidade, porque sei que o pânico é, em grande parte, real, tem gente sofrendo, inclusive eu quando penso no meu país e nos meus próximos. Por duas vezes, peguei o carro e por longo tempo percorri a cidade, suas ruas e bairros, num sentimento vago de preocupação e nostalgia. Por duas vezes, também, recorri a essa linguagem universal dos desesperados, a esse refúgio último do Amor quando as estratégias da razão não sustentam a estrutura do real – a oração.

Dificilmente haverá povo no mundo que esteja sofrendo este momento histórico como o brasileiro. Estamos numa crise de saúde dentro de uma crise política sem precedentes nos últimos tempos, fora o fato de estarmos vivendo uma cisão política entre extremos à direita e à esquerda raramente visto em nossa história, que propicia toda forma de irracionalismo que se possa imaginar. O nosso presidente, Jair Bolsonaro, é um necrófilo consumado, um dublê de tirano sem o talento para tal, e sua necropolítica em relação à Covid-19 consiste simplesmente em rechaçar a voz da ciência, minimizar o valor das vidas perdidas e pregar o término da quarentena a fim de salvar a pele do empresariado que financiou sua campanha à presidência.

[submitted on 5/11/2020]

Life in Quarantine: Witnessing Global Pandemic is an initiative sponsored by the Poetic Media Lab and the Center for Spatial and Textual Analysis at Stanford University.

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